Uso do colar cervical pode prejudicar estado geral da vítima e não tem indicação em primeiros socorros. Entenda!

Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 28/jun/23.
Disponível em https://medium.com/p/cbd1f232f62e
Tempo de leitura: 4 min.

Não é incomum encontrar, nas redes sociais, ofertas de cursos de primeiros socorros que têm, em seu conteúdo programático, o ensino de técnicas de imobilização e movimentação de vítimas que incluem o uso do colar cervical e prancha rígida, dispositivos que servem para restringir o movimento da coluna cervical.

Vítima de trauma com colar cervical e prancha rígida. Imagem: Filippo Bacci.

Além de tais procedimentos não serem previstos tampouco adequados ao escopo de primeiros socorros, seu uso indiscriminado pode agravar o estado geral da vítima, levando a desfechos indesejáveis.

Antes de falar sobre seus riscos e por que esta técnica não é aplicável em todos os cenários de trauma, devendo ser executada somente por pessoal devidamente treinado quando indicado, é necessário entender o que são primeiros socorros e o que deve — ou não — fazer parte do seu escopo.

O que são primeiros socorros

Primeiros socorros podem ser definidos como cuidados iniciais de emergência aplicados à vítimas de mal súbito ou lesão. Logo, entende-se que os espectadores — pessoas que estão no mesmo ambiente em que a vítima se encontra — serão os primeiros a terem contato com a ocorrência. Por terem pouco ou mesmo nenhum treinamento prévio, os procedimentos são desenhados de forma que o nível de esforço para a sua execução seja o mínimo possível, uma vez que a habilidade é baixa.

Isso permite não só uma maior segurança na prestação do primeiro cuidado, como incentiva as pessoas a realizarem alguma intervenção que pode salvar vidas. Aliás, esse é o lema das campanhas de reanimação cardiopulmonar desenvolvidas pela American Heart Association, por exemplo, que defende que, num primeiro momento, apenas as compressões torácicas sejam realizadas numa vítima de parada cardíaca, afinal, quanto mais simples for o procedimento, melhor. 

O colar cervical e seus riscos

Sabendo que os procedimentos indicados em primeiros socorros são simples, claros e objetivos, temos de entender, agora, porque o uso do colar cervical nesse cenário não é indicado e quais os os seus riscos.

Há muito tempo atrás, entendia-se que qualquer vítima de trauma teria condições potenciais de ter lesões na coluna cervical, local em que estão nervos importantíssimos para o funcionamento de diversos órgãos. Por isso, era automático o entendimento de que elas deveriam ser devidamente imobilizadas com colar cervical, bloqueadores laterais de cabeça (head blocks) e serem colocadas em uma prancha rígida, tendo estes dispositivos retirados somente horas depois após avaliação médica.

Com o passar dos anos, diversos estudos foram sendo realizados e os profissionais entenderam que para que uma vítima de trauma tenha, de fato, lesão cervical, a força envolvida na colisão dela com o carro ou outro objeto deveria ser extremamente alta. Além disso, uma análise dos dados de cerca de quase 1 milhão de pacientes de trauma com suspeita de lesão na coluna que eram admitidos em hospitais dos EUA identificou que apenas 3% tinham, de fato, tal suspeita confirmada.

Conclui-se que o uso rotineiro destes dispositivos sem critérios claros prejudicava ainda mais o estado geral da vítima, causando, por exemplo, aumento da dor, úlcera por pressão, elevação da pressão intracraniana, prejuízos hemodinâmicos, problemas respiratórios, entre outros. Por isso, seu uso rotineiro vem sendo abolido e novas orientações para serviços de atendimento pré hospitalar em todo o país estão sendo desenvolvidas.

Critérios NEXUS e CCR 

Há décadas atrás já existiam fluxogramas que orientavam as equipes que trabalham dentro do hospital quais vítimas de trauma deveriam — ou não — fazer exames de imagens para avaliar a possibilidade de lesão na coluna: o americano National Emergency X-Radiograph Utilization Study (NEXUS) e o canadense Canadian C-Spine Rule (CCR). Após estudos, entendeu-se que estes eram perfeitamente aplicáveis no cenário pré hospitalar para que o socorrista decidisse quando restringir o movimento da coluna de uma vítima de trauma, e se esta deveria ser mínima ou completa, dada a gravidade das lesões.

A adoção de tais critérios bem como a habilidade necessária para manejar uma vítima com suspeita de lesão de coluna exigem treinamento exaustivo para minimizar a possibilidade de erros, sendo indicado, portanto, para profissionais da saúde e resgate apenas. Em primeiros socorros — procedimentos que, como dito antes, são simples, claros e objetivos e quase sempre terão uma continuidade por profissionais — é indicado apenas que o prestador deste primeiro cuidado evite movimentar a vítima desnecessariamente e oriente-a a fazer o mesmo, segurando a coluna cervical quando suspeitar de lesão.

É importante ressaltar que já está bem estabelecido, também, que vítimas de trauma penetrante isolado não tem indicação para receber cuidados de restrição de movimento da coluna.

Portanto, já sabe: se você se deparar com cursos que prometem ensinar tais técnicas, cuidado: além de não ser previsto em primeiros socorros, sua aprendizagem será dificultada.



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