Precisamos nos preocupar com a segurança das escolas brasileiras?
Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 02/jan/23.
Disponível em https://medium.com/p/f2d6f10229b4
Tempo de leitura: 5 min.
O ano de 2023 começa, pelo menos para mim, com uma preocupação: a segurança das escolas brasileiras.
Eventos com atiradores ativos e vítimas em massa são uma realidade triste em países ocorridos, a exemplo dos Estados Unidos. Aliás, é por conta desses problemas que programas como o Stop the Bleed — resultado de uma parceria entre o Colégio Americano de Cirurgiões e o Departamento de Defesa do país — morreram, tendo como objetivo a capacitação do maior número possível de pessoas em controle de hemorragias massivas consequências de lesões por arma de fogo.
Se você acha, porém, que por aqui não há motivo para preocupação, segue um alerta: nos últimos 20 anos foram registrados ao menos 15 eventos do tipo, sendo que quatro deles foram apenas em 2022, conforme histórico abaixo:
- Ipaussu, SP, 14 de dezembro de 2022:
Um ex-estudante da Escola Estadual Professor Júlio Mastrodomênico, de 22 anos, invadiu a unidade armada com uma faca, canivete e um simulacro e feriu duas professoras e fez um terceiro funcionário refém durante uma abordagem policial. Uma delas esteve internada em estado grave. Não há atualização sobre o estado de saúde.
- Aracruz, ES, 25 de novembro de 2022:
Um adolescente de 16 anos invadiu duas escolas na cidade capixaba e efetuou disparos contra alunos e professores. O primeiro crime ocorreu em uma escola pública da qual o garoto estudava e o segundo em uma escola particular. O evento evoluiu na morte de 3 pessoas e deixou pelo menos 13 feridos.
- Sobral, CE, 5 de outubro de 2022:
Um adolescente de 15 anos, munido de uma arma registrada em nome de um familiar CAC — Colecionador, Atirador, Caçador — entrou na escola em que estudava, localizou no bairro Sumaré, e atirou contra colegas. Pelo menos dois menores ficaram feridos e outro morreu.
- Barreiras, BA, 26 de setembro de 2022:
Um menor de 14 anos de idade, estudante da escola, invadiu a unidade armada e atirou contra diversos alunos. Uma cadeirante de 19 anos foi atingida e faleceu.
- Saudades, SC, 04 de maio de 2021:
Homem armado com facão invade o Centro de Educação Infantil Pró Infância Aquarela e mata 5 pessoas, sendo três crianças e duas mulheres.
- Caraí, MG, 07 de novembro de 2019:
Um aluno da Escola Estadual Orlando Tavares, localizado no distrito de Ponto do Marambaia, no Vale do Jequitinhonha, pulou o muro da escola e atirou contra pelo menos dois colegas, que ficaram feridos. Não há registro de mortos.
- Suzano, SP, 13 de março de 2019:
Conhecido como o segundo maior ataque em escolas brasileiras, o evento registrou 10 mortos entre alunos e funcionários. Os óbitos foram causados por tiros de arma de fogo e golpes de machado.
- Medianeira, PR, 28 de setembro de 2018:
Adolescente de 15 anos munido de um revólver calibre 22, duas bombas e facadas ferem dois colegas dentro da escola. Não foram mortes registradas.
- Janaúba, MG, 5 de outubro de 2017:
Segurança de uma escola do interior do estado coloca fogo na unidade e mata 13 pessoas, entre crianças de 4 e 6 anos e funcionários. O rapaz morreu no evento.
- Goiânia, GO, 20 de outubro de 2017:
Um adolescente de 14 anos munido de uma pistola calibre .40 efetuando uma série de tiros na sua unidade escolar, matando pelo menos dois colegas.
- Santa Rita, PB, 11 de abril de 2012:
Um adolescente de 16 anos atira contra três alunas em uma escola estadual. Os jovens sobreviveram.
- São Caetano do Sul, SP, 22 de setembro de 2011:
Um aluno de 10 anos atira contra uma professora e, ao final, atira em si mesmo. A funcionária sobreviveu e o aluno morreu,
- Rio de Janeiro, RJ, 7 de abril de 2011:
Conhecido como o maior massacre em escolas brasileiras, um ex aluno da Escola Municipal Tasso de Silveira entra na unidade disfarçado de palestrante e, munido de duas armas, mata 12 pessoas. O autor se suicida ao final.
- Taiúva, SP, 29 de janeiro de 2003:
Um estudante de 18 anos atira 15 vezes contra cerca de 50 alunos e, em seguida, se matou. Fora do autor, não foram registrados óbitos.
- Salvador, BA, 28 de outubro de 2002:
Um estudante de 17 anos mata dois colegas, ambos de 15 anos. Uma delas, socorrida ainda com vida e levada ao Hospital Geral do Estado, faleceu no mesmo dia.
Vale lembrar que uma reportagem do jornal O Globo , publicada em agosto de 2021 mostrou que, naquele ano, pelo menos 10 massacres foram evitados no país com apoio da agência americana Homeland Security Investigations — HSI .
O que pode estar confiante para tal aumento?
Especialistas são unânimes: o fácil acesso às armas de fogo é um fator que contribui bastante para o aumento de ataques nas escolas. Para se ter uma ideia, após a facilitação da compra de armas e munições que se deu durante o governo do então presidente da república Jair Messias Bolsonaro (2019–2022), o número de armas registradas por colecionadores, atiradores e caçadores praticamente triplicou no país , chegando a 1 milhão de unidades.
Rever esta política é essencial para reduzir a criminalidade e os riscos que as crianças vêm correndo nas escolas. Aliás, é isso que promete o novo presidente, Luís Inácio Lula da Silva. Logo após tomar posse, ainda em 1º de janeiro, Lula assinto diversos decretos, dentre os quais, um que revoga a facilitação de acesso a armas e munições . Aqui, destaca-se que o novo decreto cria um grupo de trabalho para propor nova regulamentação para o Estatuto de Desarmamento, de 2003.
O que podemos fazer?
Nos Estados Unidos, além da criação de programas de capacitação em primeira resposta como o Stop the Bleed , citado aqui anteriormente, é absolutamente comum que os alunos participem de simulados de tiroteios durante as aulas. Além disso, as escolas contam com detectores de metais, portas guardadas, software de reconhecimento facial, coletes, mochilas e até lousas à prova de bala.
Especialistas ouvidos pela BBC apontam, porém, que estas medidas de segurança, cuidadosamente, não resolverão o problema.
“Tornar as escolas próximas com prisões tende a ter um impacto negativo a longo prazo.” Ron Avi Astor.
Astor, que é professor da University of Southern California , em Los Angeles, e especialista em violência em escolas e bullying, é um dos mais de 4,4 mil profissionais da educação e especialistas que assinaram o documento intitulado “ Call for Action to Prevent Gun Violence in the USA ” (“Chamado para Ação para Prevenir Violência com Armas em Escolas dos EUA”, em tradução livre), que, além de listar os malefícios à longo prazo dessas medidas de segurança, elenca quais as ações que podem ter resultados positivos . De acordo com os autores da proposta, o ideal é garantir que as dependências escolares estejam livres de armas e educar os estudantes e professores para ameaças.
Lei Lucas
Além das medidas citadas, é importante preparar alunos, professores e demais profissionais para prestar o primeiro cuidado em situações de emergência. Desde 2018, a lei federal 13.722 — Lei Lucas — torna obrigatório o treinamento de profissionais que atuam em escolas de educação básica pública e privada em primeiros socorros. Porém, o que se viu, até aqui, é a resistência das escolas privadas e a falta de interesse do poder público na dependência à legislação. Cabe a nós, profissionais de saúde, conscientizar pais e gestores sobre a importância da preparação para emergências e, enquanto cidadãos, nos mobilizar para implementar políticas que reduzam o acesso às armas e melhorem a segurança pública — que é dever do Estado.