Por que falamos tanto em controle de hemorragias?

Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 16/jul/23.
Disponível em https://medium.com/p/c3cda8d0d28b
Tempo de leitura: 4 min.

É muito provável que já você tenha visto, nas redes sociais, alguma postagem sobre a importância de se aprender a identificar e controlar, rapidamente, uma hemorragia externa grave. A pergunta que surge é: por que há tantos profissionais de saúde e resgate abordando esse tema nos últimos anos.

O sangramento sempre foi uma preocupação muito presente na comunidade médica. Isso porque, quando não rapidamente controlado, leva a uma série de complicações potencialmente fatais. Foi por isso que, em meados de 1650, um cirurgião francês criou uma técnica bem simples: enrolar uma faixa bem apertada em um membro a ser amputado para controlar a dor e a hemorragia. 

Guy de Chauliac, cirurgião francês que decidiu enrolar uma faixa bem apertada em um membro a ser amputado para controlar a dor e o sangramento. 

Os médicos entenderam que havia um certo sucesso nessa técnica e, por isso, vários se propuseram a aperfeiçoá-la para que pudesse ser usada não só dentro de centros cirúrgicos, mas também no ambiente extra hospitalar, contribuindo para aumentar a sobrevivência de soldados feridos nos campos de batalha. Foi aí que começaram a surgir, então, os primeiros torniquetes comerciais, como o de Petit, modelo dotado de um parafuso em sua extremidade superior, que o matinha apertado e fixo no membro, desenvolvido pelo também cirurgião francês Jean-Louis Petit. 

Uma parcela da comunidade médica acreditava na segurança e eficácia destas técnicas e dispositivos; outra, porém, julgava que elas trariam mais malefícios do que benefícios. Essa discussão, pasme, durou séculos, e somente com as guerras do Iraque e do Afeganistão, no início dos anos 2000, é que todo o conhecimento acerca de controle de hemorragias foi finalmente consolidado.

Nesses conflitos, muitos soldados americanos estavam morrendo vítimas de hemorragia externa grave, e o departamento de defesa americano, por meio das suas instituições de saúde e pesquisa, decidiu, então, entregar um torniquete de extremidades para cada um de seus combatentes. Pouco tempo depois, percebeu-se que o número mortos por hemorragia grave reduziu drasticamente — mais de 90% — e que o torniquete de extremidades, quando corretamente posicionado, tinha uma taxa de sucesso no controle da perda sanguínea superior a 80%.

Dispositivos antes vilanizados tornaram-se protagonistas. Outros materiais, como as gazes hemostáticas, foram desenvolvidos. Todo esse avanço, porém, continuou restrito ao meio militar e, no ambiente civil, muita desinformação continuou circulando.

Foi somente em 2013, por conta dos eventos com atiradores ativos em escolas americanas, que este cenário mudou. As autoridades perceberam que o padrão de lesão das vítimas desses ataques violentos era absolutamente o mesmo daqueles encontrados em soldados mortos nos campos de batalha e que, por isso, todo o conhecimento anteriormente produzido por eles deveria ser ensinado não só aos alunos e colaboradores, mas para a sociedade civil como um todo. A partir disso, então, surgiram intensas campanhas locais de capacitação em controle de hemorragias (conhecidas como Stop the Bleed), que se tornaram globais em 2015.

Tiroteio da escola Sandy Hook, em Newtowm, CT, originou campanhas de capacitação em controle de hemorragias. 

No Brasil, o movimento ganhou força a com a pandemia de covid19, quando boa parte da população precisou ficar em casa. Lives, webnários e outros eventos promoveram a educação em primeiros socorros em controle de hemorragias, e muitas pessoas puderam aprender o que fazer diante de uma hemorragia externa, permitindo, assim, que a vítima tenha condições de sobreviver até a chegada do serviço de emergência e posterior transporte até um hospital para receber o tratamento definitivo adequado.

Apesar de todo esse esforço, ainda há muito o que ser percorrido, afinal, é comum encontrar, atualmente, colegas trabalhadores da saúde (inclusive atuantes em serviços de emergência), que acreditam que os torniquetes de extremidades só podem ser usados em ultimo caso, devem ser afrouxados a cada 15 minutos, dentre outros equívocos.

Por isso, se você se interessou pelo tema e quer saber quais as repercussões catastróficas que acometem o organismo de uma vítima de hemorragia, as técnicas simples para controlar a perda sanguínea e outras informações, convido-o a ler os diversos materiais gratuitos disponíveis no portal www.emergencia.site e, não menos importante, a compartilhá-los com sua rede para que mais pessoas possam aprender.



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