O que são - e como usar - curativos hemostáticos?

Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 27/dez/23.
Disponível em https://medium.com/p/22279724a115
Tempo de leitura: 5 min.

Saber aplicar primeiros socorros é fundamental, afinal, existem uma série de ocorrências que necessitam de intervenções antes mesmo da chegada do serviço de emergência, e os traumas seguidos de hemorragia externa grave são exemplos disso.

Hemorragia externa requer intervenção antes mesmo da chegada do serviço de emergência. Imagem: Nes.

Complicações potencialmente fatais

A depender do local do ferimento, a perda total de sangue pode ocorrer em cerca de quatro minutos e, na maioria dos casos, este tempo é insuficiente para o acionamento do socorro e a chegada da uma viatura no local da ocorrência.

Além disso, um sangramento grave, quando não controlado rapidamente, leva à uma série de complicações potencialmente fatais. Não à toa, a hemorragia é a causa número um de morte evitável no trauma.

O sangue é responsável por funções importantíssimas, como o transporte de moléculas de oxigênio, que é essencial para que as células do nosso corpo possam produzir energia. Quando há perda sanguínea, a capacidade de transporte desse gás fica prejudicada e, com isso, há o desenvolvimento de uma condição chamada de choque hipovolêmico do tipo hemorrágico.

Resumidamente, a instalação do choque marca a passagem do metabolismo aeróbio para metabolismo anaeróbio, ou seja: com a falta de oxigênio, as células passam a consumir a gordura acumulada nos tecidos para produzir energia. Além de ser uma forma de obtenção de energia extremamente ineficaz, o metabolismo anaeróbio é tóxico para o corpo, pois tem como resultado a liberação de lactato na corrente sanguínea, sendo extremamente prejudicial para a manutenção das funções vitais.

Conhecer as técnicas e dispositivos disponíveis no mercado para ofertar cuidados de qualidade torna-se, portanto, um requisito imprescindível para que vidas possam ser salvas quando da ocorrência de trauma.

Avanços surgiram com as guerras do Iraque e do Afeganistão

Em meados de 2008, com as guerras do Iraque e do Afeganistão, muitos soldados americanos estavam morrendo nos campos de batalha por ferimentos provocados por armas de fogo e estilhaços de bombas. A fim de reduzir esse número, os torniquetes de extremidades passaram a ser amplamente empregados, consolidando, de uma vez por todas, sua segurança e eficácia.

Ferimentos fora das extremidades, porém, não são passíveis da aplicação deste dispositivo, como nos casos de lesões em axila e virilha. Por isso, outros materiais foram desenvolvidos e testados nesse mesmo período, como as gazes hemostáticas e grânulos hemostáticos.


Controlando um sangramento

Quando o ferimento ocorre em uma região juncional, o torniquete não tem eficácia, afinal, não há como colocá-lo entre 5–7 cm acima da lesão. Logo, duas técnicas precisam ser empregadas para conter o sangramento: o preenchimento da cavidade e a sua posterior compressão.

O preenchimento do ferimento se faz necessário pois, no caso das lesões cavitárias, a compressão superficial não será suficiente para frear a perda sanguínea, afinal, vasos lesionados continuarão sangrando, e o fluído se acumulará na cavidade.

Lesões cavitárias necessitam de preenchimento com gaze. Imagem: American College of Surgeons/Stop the Bleed. 

Quando realizado com uma gaze comum, dessas encontradas em farmácias, o prestador do primeiro cuidado, após preencher toda a cavidade, precisa realizar uma pressão sobre ferimento por pelo menos dez minutos. Com as gazes impregnadas com agentes hemostáticos, além desse tempo ser reduzido para menos de 1 minutos (a depender da marca e linha empregada), as substâncias encontradas nesses curativos podem agir ativando a cascata de coagulação ou mesmo fazendo com que a gaze aumente de tamanho, contribuindo para o controle químico e/ou mecânico da hemorragia, levando à rápida obtenção do controle, bem como da diminuição do risco de ressangramento.

Veja no vídeo abaixo uma demonstração de preenchimento de feridas com gaze hemostática:

Preenchimento de lesão cavitária com gaze hemostática. Vídeo por: American College of Surgeons/Stop the Bleed. 

Já em ferimentos profundos com bordas justas, como aqueles provocados por facas, por exemplo, fazer o preenchimento da ferida pode ser muito mais difícil. Por isso, há no mercado agentes hemostáticos em grânulos, os quais vêm dentro de uma seringa. Esta é introduzida no ferimento e o prestador do primeiro cuidado, ao retirar o lacre, pressiona o êmbolo e preenche toda a cavidade. 

Grânulos hemostáticos com aplicador para lesões não passíveis de preenchimento com gaze. Vídeo: Celox. 

Custo pode inviabilizar uso

Por serem bem mais caras do que as gazes comuns, estes materiais costumam ser usados por equipes especializadas e em cenários de guerras ou conflitos urbanos. Nada impede, porém, que prestadores de primeiros cuidados em ambiente civil possam adquiri-los e usá-los.

As gazes hemostáticas mais conhecidas são a Combat Gauze e a Celox Gauze.

A Combat Gauze, desenvolvida pela QuikClot, é pró coagulante. Impregnada com caulim, este mineral, quando em contato com o sangue, ativa a cascata de coagulação por meio do Fator XII, reforçando o trombo criado pela agregação plaquetária, obtendo-se, portanto, o controle da hemorragia.

Já a Celox Gauze, desenvolvida pela Celox, vem impregnada com quitosana. Este carboidrato, em contato com o sangue, produz um gel robusto que criará um trombo artificial, impedindo, portanto, o extravasamento de sangue para a cavidade.


À esquerda, Combat Gauze®, modelo de gaze pró coagulante. À direita, Celox™ Gauze, modelo de gaze mucoadesiva. Imagens: fabricantes. 

Cuidado com ofertas duvidosas

Esses produtos devem ser adquiridos somente em revendedores autorizados, pois há registros de materiais falsificados sendo vendidos em plataformas brasileiras e estrangeiras.

Veja no exemplo abaixo:

Gazes hemostáticas falsificadas oferecem risco para prestadores de primeiros cuidados. Adaptação: Carlos Felipe. 

No lado esquerdo, a imitação. Já no direito, o original. Como diferenciar:

1 — Ausência da marca QuikClot;
2 — Ausência de número de série e bandeira dos EUA;
3 — Ausência de dados sobre local de fabricação.

Por fim, é altamente recomendável que um curso de primeiros socorros ou controle de hemorragias seja realizado para que se possa adquirir as habilidades práticas necessárias, bem como conhecimentos anatômicos importantes.