Medicação diretamente no osso: isso é possível?
Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 26/set/23.
Disponível em https://medium.com/p/a7ba75253a8d
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Pode parecer estranho mas, sabia que que dá pra infundir medicamentos dentro do osso?
Imagina que uma equipe de emergência foi atender uma ocorrência de colisão entre carro e moto. Ao chegar no local, verificou-se que o motociclista possui uma fratura na perna direita e sangra bastante. Imediatamente os profissionais que avaliaram a vítima percebem que há a necessidade de se iniciar a reposição volêmica, permitindo que a mesma tenha condições de ser transportada para o hospital.
Acidentes automobilísticos podem resultar em lesões graves que requerem acesso venoso imediato. Imagem: deepblue4you.
Ao tentar fazer a punção venosa, o enfermeiro não consegue, afinal, os vasos sanguíneos estão demasiadamente contraídos devido a extensa hemorragia, a qual provocou queda de volume. O tempo passa, a vítima piora e o procedimento — que permitirá a manutenção da pressão arterial, garantindo a perfusão de órgãos como coração, cérebro e pulmões — precisa ser iniciado o quanto antes. Uma nova tentativa de acesso é realizada, sem sucesso.
O enfermeiro, então, abre a sua mochila, pega um dispositivo, o posiciona na tíbia (osso da perna) e obtém um acesso, instalando uma cânula diretamente dentro deste osso, permitindo que o fluído escolhido possa ser infundido, melhorando o quadro da vítima rapidamente.
Punção Intraóssea realizada em tíbia em paciente pediátrico com dispositivo NIO. Imagem: PerSys Medical.
Punção intraóssea
O procedimento realizado pelo enfermeiro é chamado de punção intraóssea, e consiste na instalação de uma cânula calibrosa diretamente no canal medular, onde há uma extensa rede de vasos sanguíneos.
Podendo ser realizada em ossos como tíbia, úmero e até mesmo fêmur, esta prática permite a obtenção de um acesso não colapsável. Isso porque, quando há uma hemorragia grave, o corpo, numa tentativa de manter a pressão arterial dentro da faixa de normalidade, faz uma vasoconstrição generalizada, o que torna a punção venosa praticamente impossível, o que não ocorre dentro do osso. Como ele não muda a sua forma quando há queda de volume, tal procedimento garante uma maneira rápida de acessar a rede venosa para a infusão de medicamentos que atingirão a circulação sistêmica rapidamente.
Anatomia do osso. Imagem: www.sbahq.org
Histórico
A técnica de punção intraóssea foi descrita pela primeira vez em 1922, sendo comumente usada a partir de meados de 1930, principalmente em pediatria. Com o advento dos cateteres agulhados, no final dos anos 1950, foi caindo em desuso, até que voltou a ser a principal escolha quando há falha na obtenção do acesso venoso em 1980, sendo recomendada pela American Heart Association e outras associações para os casos de emergência.
Além de soro fisiológico e sangue, medicações comumente usadas no manejo do trauma e parada cardíaca podem ser infundidas, tanto em pacientes inconscientes quando conscientes, sendo, neste último caso, recomendado a administração prévia de lidocaína, um anestésico que proporcionará alívio da dor causada pela entrada dos líquidos.
Apesar de seguro, este procedimento possui algumas contraindicações, como fraturas no membro escolhido, queimaduras, infecções e etc. Em caso de falha, não deve ser realizado uma nova tentativa no mesmo membro.
Como complicações, podem ocorrer fraturas, síndrome compartimental (devido extravasamento de fluidos quando da alocação incorreta da agulha) e, em pacientes pediátricos, especialmente, lesão na placa de crescimento do osso.
O procedimento pode ser realizado por enfermeiros e médicos devidamente habilitados e com conhecimento prévio dos dispositivos existentes no mercado.
Referências:
JUNIOR, Israel Figueiredo; DE CARVALHO, Mauricio Vidal; DE LIMA, Gláucia Macedo. PUNÇÃO E INFUSÃO INTRA-ÓSSEA. Disponivel em: [researchgate.net/profile/Israel-Figueiredo-Junior/publication/237523902_PUNCAO_E_INFUSAO_INTRA-OSSEA/links/02e7e538c66eeca408000000/PUNCAO-E-INFUSAO-INTRA-OSSEA.pdf]. Acesso em 26 set 2023.
LANE, John Cook; GUIMARÃES, Hélio Penna. Acesso venoso pela via intra-óssea em urgências médicas. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 20, p. 63–67, 2008.