Lei Lucas: quando vamos dar a devida importância para a lei federal 13.722, de outubro de 2018?
Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 06/jan/23.
Disponível em https://medium.com/p/25079a4fc708
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Se você não é profissional da saúde ou da educação, arrisco dizer que você não faz a mínima ideia do que fala a lei federal 13.722. Porém, se você é pai, mãe ou responsável por uma criança em idade escolar, já deve ter ouvido falar na Lei Lucas — ambas são a mesma coisa. Se você não sabe do que to falando, vou te explicar o que é e mostrar por que você deve dar a devida atenção a ela a partir de agora.
Era setembro de 2017 quando o menor Lucas Begalli Zamora, então com 10 anos de idade, saiu de sua casa em Campinas, interior de São Paulo, e embarcou em um ônibus fretado pela sua escola para participar de um passeio em uma fazenda na cidade de Cordeirópolis, também no interior paulista.
Na hora do lanche, lhe foi fornecido o bom e velho cachorro quente, que todos nós — ou quase todos — gostamos. Acontece que Lucas se engasgou. O alimento ficou parado na sua garganta e, com isso, o ar não mais chegava aos pulmões. Os profissionais que ali estavam (professores, monitores da fazenda e da empresa de transporte escolar), desesperados com a cena, não sabiam o que fazer. Em pouquíssimo tempo, Lucas desmaiou e não mais acordou. Quando a viatura do SAMU — Serviço de Atendimento Móvel de Urgência chegou, não havia mais nada que pudesse ser feito.
Lucas não é um caso isolado
Apesar de ser uma situação muito comum, de fácil identificação e resolução, dados da organização não governamental Criança Segura mostram que o acidente que ocorreu com o Lucas não é um caso isolado: em 2018, a sufocação foi a terceira maior causa de morte em crianças de 0 a 14 anos no país.
Naquele ano, 791 óbitos nessa faixa etária foram registrados, sendo 600 de bebês menores de 1 ano, 119 de crianças de 1 a 4 anos, 47 de 5 a 9 anos e 25 de 10 a 14 anos, como mostra o gráfico abaixo:
Engasgo pode ser parcial ou total
O engasgo é definido como a dificuldade respiratória que ocorre devida à presença de um corpo estranho parado na garganta, obstruindo a passagem de ar até os pulmões. Pode ser um objeto, alimento ou mesmo conteúdo gástrico.
Tal obstrução pode ser dividida em dois tipos: parcial, quando ainda ocorre a passagem de ar para os pulmões e, portanto, há a presença de tosse na tentativa de expelir o corpo estranho, e total, quando o fluxo de ar é nulo e a tosse, portanto, inexistente.
O nosso cérebro consome muito oxigênio. Para se ter uma noção, cerca de 20% do que é distribuído pelo sangue em um minuto é direcionado para ele. Além isso, ele possui uma baixíssima tolerância à isquemia (ausência de oxigênio). Portanto, saber reconhecer um engasgo e prestar o primeiro cuidado é fundamental, seja em bebês, crianças ou mesmo em adultos.
Transformando a dor do luto em luta
Após digerir essa tragédia, Alessandra, mãe do menor Lucas, decidiu transformar a dor do luto em luta e começou um movimento nas redes sociais para que escolas tivessem seus profissionais treinados em primeiros socorros. Para isso, montou uma página chamada “Vai Lucas” na rede social Facebook para mobilizar pais e mães.
A mobilização surtiu efeito rapidamente e em maio de 2018 Campinas aprovou sua versão local de uma lei que torna obrigatória a capacitação em primeiros socorros de funcionários que possuam contato direto com alunos de creches e escolas públicas e privadas do município.
Mas a mãe não se contentou: continuou a campanha até que, em 2018, o então presidente da república, Michel Temer (MDB) sancionou uma lei federal, de conteúdo similar.
Desde então, diversas cidades e estados vem criando ou atualizando leis que obrigam tal capacitação, porém, seja por falta de regulamentação, fiscalização ou interesse das escolas, o treinamento não se faz presente, e os acidentes, que continuam acontecendo, não recebem a prestação de socorro devida.
Um caso recente que comoveu — e revoltou — as redes sociais foi o da menor Maria Thereza, de 1 ano e 3 meses, em uma creche de Petrópolis, RJ, em maio de 2022. Após comer um pedaço de fruta maior do que o recomendável, a bebê engasgou e não recebeu os primeiros socorros, já que ninguém na escola sabia o que fazer. Ela demorou 11 minutos para chegar à uma Unidade de Pronto Atendimento próxima à creche, mas já era tarde. Aqui, cabe ressaltar que a manobra de desengasgo deve ser realizada antes mesmo de uma equipe de socorro chegar ou antes do transporte à uma unidade de emergência.
Lei não mudou cenário
O que causa certa preocupação é que, desde a criação da lei, o que se viu foi uma corrida de empresas de treinamentos e profissionais autônomos para tentar fechar contratos com escolas para a capacitação do quadro de colaboradores dos estabelecimentos privados, mas a conscientização dos educadores e da população em geral, cujo papel cabe aos profissionais da saúde, não vem ocorrendo.
No setor público, há falta de interesse na adequação e a alegação de falta de equipes para fornecer tal capacitação. Já no setor privado, gestores colocam o custo e a dificuldade de horário para reunir os colaboradores como empecilho. Outros citam, também, a falta de regulamentação — e daí a falta de fiscalização.
Algumas cidades até fornecem treinamento para os estabelecimentos da rede pública, mas o curso, em geral, é com uma carga horária baixa e com um alto número de participantes ao mesmo tempo, tendo uma proporção instrutor — aluno desproporcional, prejudicando a absorção do conteúdo e o desenvolvimento das habilidades práticas.
Você que é pai, mãe ou responsável por uma criança que está frequentando a escola, deve, imediatamente, cobrar o gestor do estabelecimento a respeito da capacitação e, não menos importante, do cumprimento da periodicidade da atualização, afinal, os acidentes acontecem a todo instante e muitos deles requerem que o atendimento seja iniciado imediatamente, uma vez que não dá para aguardar o socorro especializado chegar.