Aplicação da Escala de Coma de Glasgow com avaliação das pupilas em vítimas de trauma

Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 18/out/24.
Disponível em https://medium.com/p/372df4d382ff
Tempo de leitura: 6 min.

Durante a abordagem à uma vítima de trauma, uma das etapas da avaliação inicial preconizada pelo programa Prehospital Trauma Life Support, do National Association of Emergency Medical Technicians — NAEMT, é o exame neurológico, sendo este executado na letra D — disability do mnemônico XABCDE.

Tendo como objetivo descartar que qualquer comportamento anormal não seja resultado de lesão cerebral traumática, uma das ferramentas disponíveis para o socorrista é a Escala de Coma de Glasgow, que recebeu um complemento em 2018, passando a ser conhecida como Escala de Coma de Glasgow com resposta pupilar — ECG-P.

Você se sente seguro para aplicá-la corretamente?

Escala de Coma de Glasgow é utilizada para avaliar a gravidade do trauma crânioencefálico. Imagem: Raman Oza/Pixabay  

História da ECG

Ao contrário do que muitos acreditam, essa escala não recebe o nome do seu criador mas, sim, da cidade de onde surgiu: Glasgow, na Escócia.

Era 1974 quando os médicos Graham Teasdale e Bryan Jennett estruturam um padrão de avaliação de pacientes neurológicos que servisse de base para tomada de decisão e prognóstico, publicando a pesquisa na renomada revista cientifica The Lancet.

À esquerda, o médico Graham Teasdale e, à direita, o médico Bryan Jennett, falecido em 2008. Imagens: glasgowcomascale.org

Dado o interesse pela ferramenta à época por outros colegas de profissão, seu uso se popularizou rapidamente e, já em 1988, a Federação Mundial de Sociedades de Neurocirurgia passou a recomendar o seu uso, sendo ela então compartilhada em mais de 80 países ao longo de décadas.

Estrutura da ECG

Originalmente a Escala de Coma de Glasgow se estrutura em três parâmetros

1 - melhor resposta ocular, 

2 - melhor resposta verbal, 

3 - melhor resposta motora. 

Sua pontuação total varia de 3 a 15 e, quanto pior a resposta para cada parâmetro, menor é o valor atribuído. Logo, a somatória mais baixa indica maior gravidade e pior prognóstico, enquanto a mais alta indica menor gravidade e melhor prognóstico.

Abaixo, a tabela indicando os parâmetros avaliados e o valor atribuído a cada tipo de resposta na estrutura original:

Pacientes com pontuação entre 13 e 15 são classificados como 'leves", entre 9 e 12 como "moderados" e, abaixo de 8, como "graves". Importante lembrar que, nesse caso, deve-se obter uma via aérea definitiva (intubar).

A reatividade pupilar como um novo parâmetro

Com o passar dos anos, percebeu-se que a ECG precisava passar por uma atualização em relação à alguns termos listados nos critérios (leia mais abaixo em Decorticação x Descerebração) e a adição de um parâmetro que refletisse a função do tronco cerebral - região entre o cérebro e a medula espinhal que controla funções vitais, como respiração e batimentos cardíacos, por exemplo.

Em 2014, após uma extensa revisão, o componente reatividade pupilar foi adicionado à escala, surgindo assim a Escola de Coma de Glasgow com Reatividade Pupilar ou, simplesmente, ECG-P. Aqui também surgiram novas orientações sobre o passo a passo para a sua execução, bem como a substituição de alguns termos utilizados para descrever os critérios, os quais causavam muita confusão entre os profissionais de saúde.

Nessa escala, o profissional faz a avaliação de cada resposta e, quando houver algum fator que impeça a obtenção da correta resposta, deve ser adicionado NT, de não testável, ao campo correspondente, evitando-se a obtenção de valores imprecisos ou incorretos. 

Escala de Coma de Glasgow com substituição de termos e inclusão do valor NT - Não Testável. 

Na sequência, com o auxílio de uma lanterna clínica, o profissional direciona o foco de luz para a pupila da vítima, avaliando se a mesma está fotorreagente e o seu tamanho, fazendo uma comparação entre as duas. Para cada tipo de resposta é atribuído um valor, que deve-se ser descontado da nota inicial. 

Este passo é importante pois a dilatação pupilar (também conhecida como midríase), quando presente, indica que há grave lesão cerebral, podendo ser resultado de uma isquemia do tronco encefálico ou herniação uncal, que ocorre quando há aumento da pressão intracraniana, comprimindo o nervo óculo motor, responsável pela contração da pupila (que não ocorre, nesse caso).

Além disso, com esta atualização é possível, por meio de um gráfico, identificar os pacientes que terão pior prognóstico após 6 meses a partir da correlação idade versus pontuação na ECG-P.

Por exemplo: a partir dos gráficos abaixo, é possível concluir que um paciente de 50 anos, cujo ECG-P foi 4 (O1V1M4 = 6 - 2P), terá uma chance de morrer estimada em 56%, com chance de um desfecho favorável de apenas 35%. Caso as duas pupilas estivessem fotorreagentes, por exemplo, a chance de morrer cairia para 42%, já a chance de desfecho favorável subiria para 48%.


Para finalizar, na realização de uma tomografia computadorizda, as taxas mudam conforme os achados (sangramento ou edema cerebral). 

Aualização de termos: decorticação x descerebração

Como dito anteriormente, a revisão da ECG inclui a substituição de alguns termos que causavam confusão entre os profissionais de saúde na hora da aplicação da ferramenta.

Alguns termos foram a decorticação e descerebração. Anteriormente, a decorticação se referia à flexão anormal dos membros na resposta motora, enquanto a descerebração referia-se à extensão.

Ainda hoje pode haver certa confusão com os tipos de resposta: flexão normal, flexão anormal e extensão, então, nos próprios materiais em PDF produzidos pela instituição, há desenhos para orientar os profissionais de saúde, como mostrado a seguir:

Orientações para aplicação da ECG/ECG-P

Tratando-se de emergência pré hospitalar, o socorrista pode encontrar um pouco mais de dificuldade para a correta aplicação da ECG por conta de fatores não controláveis, mas, de maneira geral, deve-se seguir alguns procedimentos:

• Primeiro, faça um estímulo verbal e tátil. Não havendo resposta, parta para a estimulação por pressão;

• O estímulo por pressão deve ser aplicado no leito ungueal (parte distal das unhas da mão), preferencialmente com uso de um instrumento, que pode ser uma caneta;

• Na impossibilidade, não exerça pressão no esterno. Prefira aplicar pressão no trapézio ou na incisura supraorbitária;

• Para avaliar as pupilas, mantenha o olho fechado por alguns segundos e, na sequência, dirija o foco de luz diretamente sobre a área temporal da pupila para observar a fotorreação.

EZ-IO, dispositivo do tipo pistola desenvolvido pela Teleflex. Imagen: Teleflex.

Dificuldade de aplicação - avaliação motora

A avaliação neurológica por meio da Escala de Coma de Glasgow não é difícil, porém, no dia a dia, muitos profissionais podem não se lembrar de todos os parâmetros a serem avaliados e a pontuação adequada para cada resposta, e não há nenhum problema nisso.

Diversos estudos identificaram que, em casos de trauma, apenas a avaliação da resposta motora é suficiente para fornecer um prognóstico do estado neurológico do paciente, dado que a sensibilidade e especificidade deste critério, isoladamente, é igual a somatória de todos os outros. Isso, então, torna a avaliação neurológica do paciente de trauma muito mais fácil e rápida.

Exercício de fixação

Para finalizar a leitura, vamos à um exercício.

Paciente vítima de acidente automobilístico. Você, ao chegar no local, observa que o mesmo não faz movimentos oculares, verbais ou motores de forma espontânea, nem mesmo quando há estímulo verbal. Você, então, parte para o estímulo por pressão, exercendo-a na parte distal das unhas. Você então verifica que a vítima não abre os olhos, não emite sons, porém, seus braços flexionam normalmente.

Pergunta 1: Como deve ser a pontuação?

Resposta: E1V1M4 (não há resposta espontânea, não há resposta verbal, porém, a resposta  motora só ocorre quando estimulado). Total: 6 pontos.

Agora, ao realizar o teste de reatividade pupilar, você verifica que nenhuma delas responde quando o foco de luz é direcionado à elas.

Pergunta 2: qual o valor a ser atribuído quando nenhuma pupila contrai quando o foco de luz è direcionado à elas?

Resposta: 2.

Pergunta 3: Considerando as pontuações obtidas na avaliação da ECG e das pupilas, qual o valor final da ECG-P?

Resposta: 4.